Presidente
critica juros altos, BC os defende para conter inflação e cobra o governo para
cortar gastos
Campos Neto (dir) é presidente do BC nomeado por Bolsonaro
trabalhando durante governo Lula - Marcos Corrêa/PR
Mal começou
o novo governo e a disputa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e
o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, tomou conta do
noticiário. O debate acalorado entre os dois tem como foco a taxa básica de
juros da economia, a Selic, que traz repercussões para toda a economia
e a política nacional.
Lula ganhou
a eleição presidencial do ano passado prometendo fazer a economia do país
voltar a crescer. Para isso, prometeu retomar investimentos públicos e reforçar
programas de transferência de renda aos mais pobres, como o Bolsa Família.
Os gastos do
governo tendem a fazer crescer o Produto Interno Bruto (PIB), exatamente como
Lula deseja. Mas alguns economistas veem esses gastos como um fator causador
de inflação, o que prejudica principalmente os mais pobres.
O BC é o
órgão estatal responsável pelo controle da inflação no país e, para
isso, usa, principalmente, a taxa básica de juros
. De março
de 2021 a agosto de 2022 – durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL)
– , o Copom aumentou a taxa básica de juros 11 vezes seguidas por conta da
inflação. A Selic, que estava em 2% ao ano, atingiu 13,75% ao ano, e assim
permanece desde então.
Os juros
altos atrapalham a economia como um todo, por inibir investimentos e compras,
além de comprometer o orçamento do governo já que, quanto mais alto estão,
mais a União gasta para arcar com sua dívida. Sobra menos dinheiro para
construir escolas, hospitais, gerar empregos e renda.
Segundo o
próprio BC, de agosto de 2021 a julho de 2022, o governo gastou R$ 586 bilhões para pagar os juros da dívida
pública nacional. Isso corresponde a 6,31% PIB do período.
É também
quase o dobro do gasto com juros acumulados de agosto de 2020 a julho de 2021.
Naquele período, quando a Selic ainda estava entre 2% ao ano e 4,25% ao
ano, o gasto com juros foi de R$ 323,5 bilhões, o que
representava 3,94% do PIB.
A forma como
o BC tem usado essa taxa, entretanto, atrapalha o crescimento da economia, na
visão de Lula. Por isso, o presidente tem criticado a gestão do órgão até o
fato de ele ser, atualmente, independente do governo federal.
Briga
pública
Levando
esses dados em consideração, o governo defende a redução da Selic. O BC, no
entanto, não dá sinais que concorde com o presidente.
No último
dia 1º, o Copom reuniu-se pela primeira vez durante o governo Lula. Poderia ter
reduzido a taxa de juros. Decidiu mantê-la, contrariando o desejo de Lula.
::Inflação de alimentos é emergencial, mas exige mudanças
estruturais::
Mais do que
isso, o Copom declarou em comunicado que "incertezas no âmbito fiscal”
reforçavam expectativas sobre alta da inflação. Traduzindo: o BC disse que a
possibilidade de o governo aumentar seus gastos pressionava o órgão a
manter a alta Selic.
Lula não
gostou da decisão do Copom, muito menos do comunicado sobre ela. Concedeu uma
entrevista à RedeTV! no dia seguinte quando disse que, para que
o país volte a crescer, os juros precisam cair. “O Brasil precisa voltar a
crescer. Não existe nenhuma razão para a taxa de juros estar em 13,75%”,
afirmou.
Autonomia
atrapalha
Lula também
criticou a autonomia do BC, concedida a partir de 2021. Naquele ano, o então
presidente Bolsonaro sancionou uma lei que impede que o presidente do órgão
seja trocado a cada governo, como acontecia até então. Essa lei agora obriga
Lula a lidar com Campos Neto, o qual foi nomeado pelo próprio Bolsonaro.
Campos Neto
tem mandato no BC até o final de 2024, ou seja, até metade do mandato de Lula.
O presidente declarou também na entrevista à RedeTV! que pode até
encaminhar um projeto de lei ao Congresso para que a autonomia do BC seja
revista depois disso.
::Economistas divergem sobre eficiência da taxa Selic como
“remédio” para frear inflação::
“Vou esperar
esse cidadão [Campos Neto] terminar o mandato dele para a gente fazer uma
avaliação do que significou o Banco Central independente”, disse Lula.
"Esse país está dando certo? Esse país está crescendo? O povo está
melhorando de vida? Não. Então, eu quero saber de que serviu a independência.”
Meta sob
revisão
A mesma lei
que deu autonomia ao BC também determina que ele atue como o guardião contra a
inflação no país. Assim, o órgão persegue uma meta para a inflação que é
previamente definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
O CMN é
composto pelo presidente do BC e também pelos ministros da Fazenda e do
Planejamento. Hoje, eles são Fernando Haddad (PT) e Simone Tebet (MDB),
respectivamente.
Esse mesmo
Conselho Monetário Nacional (CNM), ainda na gestão Bolsonaro, estabeleceu que a
inflação teria de ser de 3,25% neste ano de 2023, podendo chegar, no máximo, a
4,75%. Mas as previsões mais atuais sobre o índice indicam que este pode
superar os 5,5%.
::Previsões apontam inflação em alta e reforçam pressão sobre
BC::
A previsão
reforça o discurso do BC de que a Selic precisa permanecer alta. Ao mesmo
tempo, dá argumentos para que o novo governo, já que não pode intervir no BC,
altere a meta de inflação - via CMN - para abrir espaço para um corte nos
juros.
Disputa abre
debate
Economistas
mais alinhados à agenda liberal e ao mercado financeiro reprovam as críticas de
Lula ao BC e defendem a autonomia do órgão. Para eles, o governo deveria, na
verdade, cortar seus gastos para que a inflação caísse e os juros fossem
reduzidos.
“O BC é
independente, ponto”, disse Andrew Storfer, diretor do Núcleo de Economia da
Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade
(Anefac). “O Executivo tinha que parar de jogar álcool fogueira e dar
diretrizes sobre austeridade, para melhorar o ambiente de negócios, o nível de
emprego e a renda do cidadão. Não ficar criticando juros ou qualquer coisa
desse tipo.”
Outros
economistas, porém, veem o BC sendo gerido com base nos interesses dos grandes
bancos, que têm lucrado como nunca por conta dos altos juros no Brasil. Para
eles, o governo Lula está sendo "chantageado" para contrariar seu
projeto político.
::Contas de luz terão aumento de até 36% e "rombo" de
R$ 500 bi deixado por Bolsonaro::
“É preciso
denunciar a chantagem que o Banco Central está praticando para pressionar o
governo a abraçar uma política de austeridade, desnecessária e incompatível com
o projeto de reconstrução da nossa sociedade que o presidente Lula apresentou
ao povo durante a campanha eleitoral”, disse o economista Daniel Conceição,
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Na mesma
linha, vai Márcio Pochmann, economista e professor da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), que lembra que o Brasil é o país com maior
taxa de juros real do mundo (juros descontados o percentual da inflação).
“Lula está
correto nas afirmações que tem feito em relação a posição adotada pela direção
do Banco Central, que insiste em manter o patamar da taxa de juros básicas
muito elevado, sem paralelo mundial.”
Segundo
Pochmann, as críticas são corretas principalmente porque a gestão de Campos Neto não tem conseguido cumprir seu dever de colocar a
inflação dentro da meta estabelecida pelo CNM mesmo com os juros altos.
Campos Neto
preside o BC desde o final de 2019, indicado por Bolsonaro. Apesar do
discurso austero, sob sua gestão em 2021 e 2022, a inflação estourou a
meta.
Tensão
crescendo
Nesta
terça-feira, Campos Neto defendeu num evento em Miami a autonomia do BC.
Segundo ele, ela serve justamente para desconectar o órgão dos ciclos
políticos, impedindo um presidente democraticamente eleito de intervir na
instituição.
“Acho que [a
autonomia] é muito importante por diferentes razões. A principal razão, no caso
da autonomia do BC, é desconectar o ciclo de política monetária do ciclo
político, porque eles têm diferentes lentes e diferentes interesses”, disse
ele.
Leia mais: Crescendo, mas ameaçada pela inflação: quais os desafios
econômicos da Venezuela em 2023
Já Lula
disse que a responsabilidade sobre os juros é do BC, presidido por Campos Neto.
Disse ainda que só o Senado Federal para tirá-lo do cargo.
“Eu acho que
esse cidadão [Campos Neto] que foi indicado pelo Senado tem a possibilidade de
maturar, de pensar e saber como é que vai cuidar desse país porque ele tem
muita responsabilidade”, afirmou. “A culpa dos juros é do BC. Agora é o Senado
que pode trocar o presidente do BC.”