No México,
país com a segunda maior taxa real de juros, a diferença é de pouco mais de 5
pontos percentuais. No Chile, o terceiro, ela não chega a 5.
Tamanha
diferença passou a ser criticada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos
primeiros dias do seu governo. Segundo ele, isso é uma “vergonha” e inibe a
retomada do crescimento do país – uma de suas principais promessas de
campanhas.
:Entenda a disputa entre Lula e o Banco Central::
A Selic tem
influência quase que direta na vida de muitos brasileiros, dos mais pobres até
os mais ricos. Isso porque ela funciona como uma espécie de taxa mínima de
juros da economia. Afeta decisões de compra e investimento. Impacta na geração
de emprego e até na desigualdade.
Para um
cidadão comum, o impacto mais direto da Selic em sua vida está visível em sua
conta bancária. No ano passado, 77,9% das famílias estavam endividadas, segundo
a Confederação Nacional do Comércio (CNC) – é o maior percentual já registrado.
E isso tem a ver com a taxa básica de juros.
A Selic
funciona como uma taxa de referência para tudo o que envolve crédito na
economia. Ela é a taxa pela qual o governo toma empréstimos com investidores
para custear seu funcionamento. Essa operação é considerada a mais segura
disponível no mercado já que a chance de o governo não pagar seus credores é
quase nula.
Se essa é a
operação mais segura, seus juros tendem a ser os mais baixos. Qualquer outro
empréstimo a cidadãos ou empresas tem juros maiores já que envolvem riscos mais
altos.
De acordo
com a Pesquisa de Juros da Associação Nacional de Executivos (Anefac), em
janeiro, pessoas físicas pagavam em média juros de 124% ao ano em operações de
crédito. Já as pessoas jurídicas, 61% ao ano.
Essa taxa é
altíssima, segundo o economista Miguel de Oliveira, diretor-executivo da
Anefac. Chegou a tal patamar no ano passado, em parte, por conta do aumento da
Selic.
Em janeiro de 2021, a Selic estava em 2% ao ano. Naquele mês, os juros médios cobrados de pessoas físicas eram de 92% ao ano; de pessoas jurídicas, 41% ao ano.
Para uma
família que tinha dívidas no cartão de crédito ou no cheque especial, por
exemplo, a alta dos juros aumentou esse débito ainda mais. Não é à toa,
portanto, que a CNC também indique que o país tem um percentual recorde de
famílias inadimplentes (28,9%) e de famílias que afirmam não ter condição de
arcar com suas dívidas (10,7%).
“Com a alta do volume de endividados no contexto de inflação e juros elevados, o ano de 2022 marcou a concretização da inadimplência como um problema social”, declarou a CNC.
Efeitos sobre economia
Com mais
famílias endividadas, falta dinheiro para o consumo. Sem consumo, não há
produção; as empresas demitem; a renda circulando cai; a economia patina.
Esse é um efeito generalizado da Selic sobre o ambiente de negócios no país, segundo Fausto Augusto Junior, economista e diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Augusto
Junior explicou também que a Selic alta afeta as decisões de investimento.
Primeiro, porque empresários não querem investir se não há expectativa de
retorno, considerando as condições da população. Depois, porque acaba
valendo mais a pena deixar o dinheiro guardado no banco, rendendo com base na
Selic, do que aplicar no negócio.
“O
empresário tem lá uma fábrica e um dinheiro guardado no mercado financeiro,
remunerado pela taxa de juros. Ele decide comprar uma máquina. Mas aí faz uma
conta simples: ‘quanto a máquina vai me trazer de lucro? a que risco?’. O
dinheiro parado no banco já rende 13% ao ano”, exemplificou ele. “Você tem dinheiro
guardado e pensa em comprar um apartamento para alugá-lo. Dependendo da taxa de
retorno do investimento que você tem no banco, é melhor deixar lá parado.
Roncaglia
ressaltou, entretanto, que o mercado bancário no Brasil é extremamente
concentrado, sem concorrência. Isso permite aos bancos “calibrar” suas taxas
com base em todos esses fatores e seguir ganhando mesmo no cenário mais adverso
para captar e emprestar dinheiro a clientes.
Em geral, os
bancos lucram bastante em todas as situações: lucram na alta e lucram na
baixa”, afirmou. “Ele vai sempre tentar, na medida do possível, defender sua
margem de lucro e repassar isso para o cliente, mas também ao fazer isso pode
aumentar a taxa de inadimplência. É o equilíbrio aqui que o banco tem que
administrar para se manter viável.”
Segundo
Augusto Junior, do Dieese, a pressão por juros altos acontece por meio de
cobranças exageradas pelo controle da inflação, por exemplo. Discursos desse
tipo geram expectativa de aumento de preços, fazem com que o Banco Central
aumente os juros baseado nessas expectativas e que a economia permaneça
estagnada.
“A ideia vai
sendo jogada na sociedade que a taxa de juros tem que ser alta porque o risco
fiscal é alto. Vai se criando uma profecia auto realizada”, disse Augusto Junior.
“Se você diz o tempo todo que a inflação está alta, quem tem dúvida remarca o
preço. O governo gasta dinheiro com juros e quanto mais ele gasta dinheiro com
juros maior o problema fiscal.